Prorrogada até junho do próximo ano, a permanência de militares no Complexo do Alemão (zona norte do Rio) já custou ao Exército R$ 237,5 milhões desde novembro de 2010, o equivalente à quase metade das verbas destinadas à modernização da força em 2011.
O gasto do Exército na operação, calculado pelo órgão a pedido da BBC Brasil, inclui despesas com munição, aquisição de equipamentos, adequação de instalações, viaturas, uniformes, alimentação e deslocamento de tropas de fora do Rio.
Desde novembro de 2010, quando o Complexo foi ocupado por forças de segurança após a expulsão de traficantes de drogas, o local conta com a atuação de cerca de 1,6 mil militares do Exército, além de cem policiais.
O prazo inicial para a retirada dos soldados era outubro deste ano, mas, a pedido do governo do Rio, que diz precisar de mais tempo para formar os cerca de 2 mil policiais que os substituirão, a saída só ocorrerá em junho de 2012.
Caso a média de gastos do Exército na ocupação (R$ 25 milhões ao mês) seja mantida até junho de 2012, quando a instalação de quatro UPPs no complexo de favelas deve ser concluída, terão sido gastos R$ 475 milhões no total.
Segundo a ONG Contas Abertas, o valor é próximo dos R$ 493 milhões que o Exército receberá em 2011 para se atualizar.
As despesas extras ocorrem em um momento em que o Ministério da Defesa enfrenta um aperto financeiro: neste ano, o orçamento da pasta sofreu um corte de R$ 4 bilhões, ou 26,5% do total.
A redução orçamentária provocou a suspensão da compra de aviões militares, planejada pelo governo há vários anos, e atrasou programas de modernização das forças.
Operação no Haiti
Além de ampliar os gastos do Exército em um momento de contenção de despesas, a prorrogação em oito meses da data de saída dos militares do Alemão, anunciada pelo governador Sérgio Cabral no início de setembro, alterou o cronograma de envio de militares brasileiros ao Haiti.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo neste mês, o general Adriano Pereira Júnior, comandante do CML (Comando Militar do Leste), afirmou que a 4ª Brigada de Infantaria Motorizada do CML, que no primeiro semestre de 2011 deveria se integrar à Minustah (Missão da ONU para a Estabilização do Haiti), não viajará mais por causa do novo prazo de permanência no Alemão.
A prorrogação também foi apontada por analistas como uma das possíveis causas dos recentes conflitos entre forças de segurança e moradores do Complexo.
No início deste mês, moradores e militares entraram em confronto em duas ocasiões.
Os desentendimentos foram seguidos por um confronto ainda maior, na véspera do feriado da Independência, quando cerca de 50 traficantes de droga iniciaram um tiroteio a partir de dois morros do complexo que não estavam ocupados pelas forças de segurança, supostamente em uma tentativa de retomar áreas das quais haviam sido expulsos em novembro. Após o tiroteio, as forças de segurança foram reforçadas.
Situação emergencial
Para o especialista em segurança e professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio Márcio Scalércio, a permanência dos militares no Alemão só se justificaria em uma situação emergencial, já que as tropas não são treinadas para as tarefas de patrulhamento exigidas pela operação.
Além disso, Scalércio diz que os gastos decorrentes da prorrogação do prazo de permanência terão impacto no Orçamento da Defesa.
Segundo o especialista, os recursos da pasta já são escassos, pois grande parte das verbas destinadas às Forças Armadas são consumidas com folha de pagamento e pensões.
“Esse valor (da operação no Alemão) certamente vai pesar no Orçamento e criar problemas”, afirma.
Ele diz, no entanto, que as Forças Armadas lidam há muito tempo com problemas orçamentários.
“Já houve conversa sobre quartel que mandou liberar todos os soldados na quinta-feira porque não sobraria comida na sexta. Ou de ordens para que o soldado desse pouco tiro para economizar munição e voasse menos para poupar combustível”, diz.
Recursos extras
O valor gasto pelo Exército no Alemão é superior aos custos estimados da manutenção de todos os policiais militares nas 17 UPPs existentes na cidade.
Em junho, o secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, calculou que, para cada cem policiais lotados em UPPs, os governos estadual e municipal gastam em torno de R$ 6 milhões ao ano.
Tomando como base a estimativa, os 3,2 mil policiais militares atualmente empregados em todas as UPPs do Rio custariam cerca de R$ 192 milhões por ano.
Para Thomaz Costa, professor da National Defense University, em Washington, a aparente disparidade entre os gastos da operação do Exército no Alemão e os investimentos do governo do Rio em UPPs pode ser explicada por diferentes formas de contabilizar os custos.
Costa afirma, no entanto, que o uso pelo Exército de equipamentos militares pesados encarece a operação. As tropas têm à disposição seis blindados Urutu, além de dois helicópteros e dezenas de jipes.
De acordo com o especialista, mesmo que os veículos não sejam empregados em combates, eles exigem constantes revisões e, de tempos em tempos, devem ser deslocados para unidades mais complexas para uma manutenção detalhada, procedimentos que são, segundo ele, custosos.
Caso os planos da Secretaria de Segurança sejam cumpridos, além de substituir todos os soldados por policiais militares no Alemão em 2012, o órgão alocará outros 6,6 mil policiais em favelas até 2014.
A intenção é permitir que, até a Copa do Mundo, haja na cidade 40 UPPs.
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